Monday, September 25, 2006

Leituras

Ode a Fernando Pessoa

Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.
De verdade, e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre depois da idade
e tu quiseste aceitar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ver a voz de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhando por ti.
Tu sonhaste a continuição do sonho português
somados todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho perdisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
e Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho
a bandeira de Portugal
vertical
sem pender para nenhum lado
o que não é dado pra portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.

Nesta nossa querida terra onde ninguém a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é a maneira de acabar com partidos
e de ficar talvez o partido de Portugal
mas não ainda talvez Portugal!
Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.
Almada Negreiros

Auto-Retrato (1943), Almada Negreiros
A conclusão deste poema é-nos familiar? Será contemporâneo?

3 comments:

joaninha said...

Gostei muito do quadro.

MEHC said...

Contemporâneo, com toda a certeza. Tão verdadeiro hoje como ao tempo em que Almada o escreveu.Gostei muito de o reler e rever o famoso auto-retrato.Boa ideia, Blondie!

Blondie said...

Joaninha:
Tb eu... apesar denão ser grande apreciadora do Cubismo, deste gosto!

Emília:
É verdade! Também sinto que a ideia expressa é bastante actual! Ainda bem que gostou;)
Obrigada!!